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“Este barco também é seu.”

Capitão-de-mar

A história que o Capitão-de-Mar-e-Guerra Michael Abrashoff conta, enquanto comandava o USS Benfold, discute as tendências contemporâneas sobre liderança e gestão de pessoas, vivendo os desafios dos relacionamentos e da valorização do ser e não do sistema em si.

As lições são apresentadas ao mesmo tempo em que o Comandante narra as suas experiências.

Se você exerce um posto de liderança, seja onde for e como for, não deixe de meditar nas lições apresentadas neste livro. Elas revolucionaram  anos atrás e são capazes de revolucionar ainda hoje.

“O menino do pijama listrado” – Livro e Filme

Fui recomendado varias vezes para ver o filme… depois descobri que o filme era baseado no romance de John Boyne.

Fiz o caminho que gosto: li o livro e depois vi o filme. Ambos surpreendentes. Mas confesso, o livro deixa mais intrigante a percepcao da narrativa, a imaginacao da historia.

Nao vou falar sobre um ou outro. Apenas recomendo a leitura do livro e depois o filme. Uma visao totalmente diferente, nao divergente, do Holocausto.

“Maratona de Nova York” – Edoardo Erba

Escrito em forma de dramaturgia, o pequeno ensaio de 59 paginas relata o dialogo entre dois amigos (Mario e Esteve) durante um treino de corrida. Lembrancas, historias e muitos outros fatos sao trazidos a tona ao mesmo tempo em que os dois se aventuram pelo percurso da corrida.

Recomendo a leitura, afinal, fala sobre corrida e sobre tantas perguntas que fazemos ao longo da vida ate “the end of line”! Confiram.

“Quando chega o sofrimento”

Este e’ o meu primeiro livro. Segue um trecho.

Um dos maiores dilemas dos círculos cristãos é a forma como os crentes lidam com o crescimento e desenvolvimento de sua vida cristã e, ao mesmo tempo, com os conflitos, os problemas, as dificuldades, as frustrações e decepções e os sofrimentos diários. Para alguns cristãos, o sofrimento faz parte do caminho que o crente precisa percorrer para o crescimento da fé. Para estes, os momentos difíceis pelos quais passam são necessários, fazem parte de sua vocação e, através deles, alcançam graça e favor divino; estão sempre preparados para o que Deus quiser fazer de suas vidas. Mas, há aqueles cristãos que vêem o sofrimento como algo meramente mau, como armadilhas e ciladas do Diabo, como pedras de tropeço na sua caminhada cristã e, assim, nunca têm êxito em sua vida de contemplação e em seu crescimento espiritual. Para estes, o sofrimento simplesmente os afasta de Deus e os impede de experimentar uma vida cristã saudável.No entanto, para se resgatar uma concepção correta acerca da questão do sofrimento na vida cristã, é necessário voltarmos para as Escrituras e atentar para o que o próprio Deus disse, através de sua Palavra, procurando compreender o verdadeiro sentido do sofrimento. É necessário rever a história e buscar na história de vida de homens e mulheres que experimentaram o sofrimento as lições que podem ajudar a viver uma vida cristã mais sadia, mesmo em meio aos sofrimentos.

Minha pretensão, visto que muitos antes de mim já o fizeram muito bem, é tentar encontrar, na Bíblia, respostas para as perguntas que todos os dias são feitas por tantos cristãos nas mais diversas partes do mundo, tais como: “Por que existe o mal no mundo?”, “O meu sofrimento é conseqüência do meu pecado?”, “De quem é a culpa de tanto sofrimento?”, “Deus se esqueceu do mundo?”, “Como um Deus bom pode permitir tanta maldade no meio de sua criação?”, “Por que Deus permite que o cristão, salvo em Cristo Jesus, sofra?”, “Por quê e para quê sofrer?”, “Há algum proveito ou vantagem no sofrimento?”.
Abordarei a questão do sofrimento à luz dos relatos bíblicos de Jó, de Jesus e do apóstolo Paulo. Tentarei destacar as características específicas do sofrimento de cada um deles, contrapondo-se às respostas simplistas e reducionistas que algumas linhas teológicas cristãs modernas têm formulado para tentar explicar a questão do sofrimento na vida do cristão. O meu objetivo é resgatar os exemplos que ficam da vida de sofrimento desses homens para os cristãos modernos.Dou uma atenção maior aos relatos do apóstolo Paulo em suas cartas e epístolas e no livro dos Atos dos Apóstolos. Creio que sua vida, sua vocação e ministério, seu discurso acerca das próprias condições e dificuldades a que foi submetido por várias vezes e seu entendimento sobre a relação do sofrimento e a vida cristã, auxiliam no entendimento do “porquê” do sofrimento na vida do cristão, e na refutação de idéias “cristãs não-bíblicas” que têm sido formuladas para tentar explicar as causas do sofrimento para o cristão.
Sinceramente, tenho o desejo de que este livro venha a ser útil à vida cristã no sentido de contribuir para que, a partir de uma compreensão bíblica, o cristão de hoje, que padece tantas dificuldades, até mesmo com respeito a sua fé, torne-se convicto de que seu sofrimento e luta são parte de um propósito maior, misteriosamente divino, para o crescimento e aperfeiçoamento de sua vida cristã e que o sofrimento faz parte da sua vida, uma vez que foi chamado para uma vida de identificação com a vida do seu Senhor Jesus.
Por isso,  “Quando chega o sofrimento”  foi escrito com um tipo de público em mente. Este não é um livro para os super-crentes ou super-espirituais; não é para gente que acha que Deus deve alguma coisa para elas; não é para os presunçosos que acham que são imbatíveis; não é para os que se acham inabaláveis; não é para os invulneráveis orgulhosos; não é para aqueles que nunca passam pela desolação; não é para aqueles que preferem se entregar a um conjunto de regras falsas a viver a realidade da vida; não é para aqueles que barateam a preciosa graça todos os dias nos púlpitos. 
 
“Quando chega o sofrimento” é escrito para pessoas de carne e osso; é para os que enfrentam a derrota todos os dias; é para homens e mulheres que se acham incompetentes demais para viver a vida cristã; é para gente que questiona, que quer respostas; é para gente que vive sobrecarregada, cansada, estressada; é para fracos, instáveis e humilhados; é para aqueles que são forçados a engolir as bobagens que os outros falam; é para aqueles que sentem a dor bem de perto; é para gente forte que sabe que é frágil, sem coragem e pobre; é para gente honesta consigo mesma, que reconhece a mentira em suas próprias vidas; é para gente que sabe muito bem o sabor amargo da realidade da vida e, mesmo assim, quer vivê-la com prazer; é para gente que necessita da graça. É um livro para mim mesmo e para todos aqueles que fazem a mesma pergunta todos os dias:  “Por que, Deus?”.

Resenha – “Por que Deus se fez homem?” (Santo Anselmo)

ANSELMO, Sto. Por que Deus se fez homem? São Paulo: Novo Século, 2003. 171 p.

1. Sobre o autor

Anselmo nasceu em Aosta, Itália, em 1033. Seu pai era proprietário de terras, o que significava que, nessa época, sua família era rica e tinha poder social. Segundo informações, “foi educado nas melhores escolas de gramática e de dialética no norte da França”[1].

Em 1060 entrou para o mosteiro de Le Bec, na Normandia, norte da França, onde iniciou sua carreira teológica sob a supervisão do abade Lanfranc. Anselmo serviu como “prior (1063-78) e abade (1078-93) em Bec antes de concordar, com relutância, em suceder Lanfranc como Arcebispo de Cantuária [ou Canterbury] (1093-1109)”[2].

Por causa de suas diferenças com o rei Guilherme sobre o direito dos monarcas de nomear clérigos, Anselmo abandonou sua sede episcopal em 1907 [sic] e partiu em exílio voluntário. […] em 1106, suas diferenças com o rei foram resolvidas, Anselmo regressou para Canterbury, onde assumiu o seu arcebispado até a sua morte em 1109[3].

 Foi logo depois do seu período de exílio que Anselmo escreveu o “Cur Deus homo?”, em Cantuária (1099-1100), uma de suas mais famosas obras.

O restante delas, cerca de “doze tratados teológicos, dezenove orações e três meditações, juntamente com muitas das suas cartas (375 ao todo)”[4], muitas escritas durante sua estada em Bec, se mostram a seguir:

  • Monologion sobre a base lógica da (1076/77): onde defende que é possível provar racionalmente a existência de um absoluto que está em toda a parte todo tempo, acima tanto do tempo quanto do espaço. Este absoluto, para ele, é Deus.
  • Proslogion (A que procura o entendimento): onde procura demonstrar a existência de Deus usando somente a razão, a lógica e o raciocínio humano; 
  • Epistola de incarnatione Verbi;
  • Gramático;
  • Sobre a verdade;
  • Sobre a liberdade;
  • Líber apologeticus contra Gaunilonem;
  • Líber pro insipiente;
  • De concórdia;
  • Sobre as quatorze alegrias celestiais.

Anselmo morreu no dia 21 de abril de 1109, numa quarta-feira de Semana Santa, com 76 anos. Foi canonizado em 1163 e em 1720 foi declarado oficialmente um Doutor da Igreja.

2. O contexto político-social-religioso no tempo de Anselmo

  • Época do florescimento do aristotelismo na Europa. Antes era o pensamento neo-platônico de Dionísio Pseudo-Areopagita e João Escoto Eirígena;
  • Cisma de 1054 entre a Igreja Romana (ocidente) e a Igreja Grega (oriente);
  • Início do Escolasticismo;

Anselmo iniciou uma era teológica que continuaria por vários séculos, cujo ápice seria a escolástica do séc. XIII. Na sua época, a teologia era principalmente produto dos mosteiros. Com o começo da teologia escolástica iniciada por Anselmo, o estudo e desenvolvimento da teologia mudaram e começaram a ser feitos nas escolas e universidades que logo surgiram […] em conexão com as grandes catedrais da Europa, sobretudo em Paris. A teologia escolástica se caracteriza pelo uso da razão para obter uma compreensão da cristã [fides quaerens intellectum][5].

  • Época de dominação política da Inglaterra pelos normandos (Guilherme, o Conquistador; Guilherme II; Henrique I).

3. Sobre a obra “Por que Deus se fez homem?

O livro é dividido em duas partes que contém o diálogo real ou imaginário de Anselmo com um outro monge chamado Bozo (ou Boson[6]). O método dialético fica evidente no texto.

De acordo com John van Engen:

Usando um método dialético de perguntas e respostas, procura solução a problemas nas doutrinas cristãs que poderiam ser mal interpretadas por hereges para, em seguida, negá-las. Este método está evidente no desenvolvimento de seus argumentos, os quais se compõem de uma série de perguntas seguidas de respostas que progridem até chegar à conclusão final do argumento[7].

 A obra trata discute a cristologia dentro do contexto medieval de relação entre a e a razão e a intenção de Anselmo é demonstrar a racionalidade da encarnação e da obra expiatória de Cristo. De acordo com Bernard Sesboüé:

Anselmo dialoga com irmãos que não precisam “chegar à fé pela razão”, mas querem se alegrar no entendimento e contemplação da beleza daquilo que crêem, sempre dispostos a justificar sua esperança.

O essencial nos esforços de Anselmo, que, aliás, teve influência limitada no seu tempo, é o cuidado por justificar a fé pela razão, propondo, portanto, uma relação nova entre ambas.. com isso, visava não só os confrades, mas também os infiéis ou não-crentes, pois os fieis sempre interiorizam como questão intrínseca à fé aquilo que os não-crentes objetam do exterior, como obstáculo a ela. Uns insistem nas razoes porque crêem; outros, nas razoes por que não crêem. Todos, porém, estão envolvidos na mesma busca racional[8].

 3.1. Livro 1

Dividido em 25 capítulos, contém “as objeções dos infiéis, aqueles que desprezam a fé cristã contrária à razão; e também a resposta dos fiéis. Também se demonstra com argumentos peremptórios e independentes da revelação que ninguém pode se salvar sem Jesus Cristo”[9].

Anselmo pretende demonstrar a importância de se saber dar razão da cristã. Como diz Bozo, no final do Livro 1: “Não pretendo que dissipes todas as minhas dúvidas, mas que me mostres a razão de minhas convicções”.[10]

Para dar razão da própria fé, Anselmo e Bozo usam as argumentações e “as palavras dos infiéis, pois é conveniente que, ao tentarmos estudar a razão da nossa fé, coloquemos à frente as objeções daqueles que de nenhum modo querem abraçar a nossa fé sem razões”[11].

Se os infiéis caluniam a encarnação, Anselmo a defende. Se aqueles defendem a não realidade da representatividade no pecado, numa mulher, Anselmo a defende e justifica com a necessidade da encarnação por meio de uma mulher. Para ele, a redenção do homem não poderia acontecer a não ser por meio de um homem que também fosse divino e que liberta os pecadores da ira, do inferno, do demônio e lhes concede a bem-aventurança.

Anselmo trata da humanidade/divindade de Cristo, de sua obediência à vontade do Pai. Explica o que, de fato, é o pecado e o que ele significou para a humanidade e que o homem não pode ser salvo sem que seja feita expiação pelos pecados e que somente Jesus Cristo pôde fazer essa expiação, visto que “a satisfação deve ser proporcional ao pecado, e que o homem não pode proporcioná-la por si mesmo[12]. Assim, conclui “que necessariamente o homem se salva por Cristo[13].

No meio de sua argumentação, Anselmo, levado por Bozo, discute vários aspectos relacionados à angelologia, à antropologia e à soteriologia (capítulos XVI-XVIII).

 3.2. Livro 2

Dividido em 22 capítulos, tenta-se comprovar que

a natureza humana foi criada para desfrutar algum dia em corpo e alma a bem-aventurança eterna; e que era necessário que este desígnio para o qual o homem foi feito fosse cumprido; mas que isto não pôde ser cumprido sem Deus ter-se tornado homem, e, portanto, que tudo que a fé nos ensina em relação a Cristo é algo necessário[14].

 Toda a argumentação do Livro 2 se dá a partir do pedido de Bozo a Anselmo, no fim do Livro 1: “Agora, quero que me faças compreender a necessidade de tudo aquilo que a fé católica nos manda crer acerca de Cristo, , se quisermos nos salvar, e como isto é necessário para nos salvar, e como Deus, em sua misericórdia, salva o homem”[15].

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Anselmo trata das três premissas básicas que já havia tratado no Livro anterior: 1) a pecaminosidade humana (capítulos I-V), 2) a encarnação de Cristo (capítulos VII-XIII, XVI-XXI) e 3) a necessidade de uma satisfação pelos pecados dos homens por Jesus Cristo (capítulos VI, XIV-XV).

São interessantes o primeiro capítulo (Livro 1) e o último capítulo (Livro 2). No primeiro, Anselmo se distancia das Escrituras e quer comprovar simplesmente por meio dos argumentos racionais tudo o que diz. É o que faz durante todo o texto. Mas, no último capítulo, Bozo (Anselmo?) diz: “Tudo o que me disseste parece-me muito razoável e impossível de contradizer, e pela solução de uma questão que propusemos, vejo bem provado e verdadeiro o que se encontra contido no Novo e no Antigo Testamento”[16].

4. Conclusão

1. Anselmo não foi um tomista, isso sugeriria um anacronismo, visto que Santo Tomás de Aquino é mais de um século posterior a Anselmo.

2. As argumentações de Anselmo servem para exemplificar a em busca de suas razões/compreensões. O contrário, ou seja, a utilização de recursos puramente racionais para se chegar à compreensão da fé, seria falacioso e, talvez, com isso, todo o projeto teológico escolástico aristotélico cairia.

3. A obra de Anselmo influenciou todo o restante do pensamento soteriológico subseqüente, principalmente o protestante, no que diz respeito ao caráter substitutivo da morte de Jesus Cristo, o que torna seu livro um dos mais influentes na história do pensamento teológico cristão.

4. Escapando das idéias de sua época, Anselmo tira o Diabo da discussão sobre a salvação e argumenta somente numa linha “intra-trinitária”, entre o Pai e o Filho. E o Espírito Santo?


[1] ENGEN, J. van. Anselmo de Cantuária. In: ELWELL, W. A. Enciclopédia histórico-teológica da Igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 78.

[2] Ibidem (Grifo do autor).

[3] PEDRAJA, L. G. Anselmo de Cantuária. In: GONZÁLEZ, J. L. Dicionário ilustrado dos intérpretes da . São Paulo: Academia Cristã, 2005. p. 48. Onde se lê “1907”, leia-se “1097”.

[4] ENGEN, J. van. Op. cit., ibidem. Ricardo Q. Gouvêa admite que ainda restam cerca de 475 cartas, não apenas 375.

[5] PEDRAJA, L. G. Op. cit., p. 49 (Grifos do autor).

[6] Cf. SESBOÜÉ, B. A palavra da salvação (séculos XVIII – XX). São Paulo: Loyola, 2006. p. 78.

[7] PEDRAJA, L. G. Op. cit., p. 48 (Grifos do autor).

[8] SESBOÜÉ, B. Op. cit., p. 78.

[9] ANSELMO, Sto. Por que Deus se fez homem? São Paulo: Novo Século, 2003. p. 11.

[10] Ibidem, p. 92.

[11] Ibidem, p. 19.

[12] Ibidem, p. 77.

[13] Ibidem, p. 91

[14] Ibidem, p 11.

[15] Ibidem, p. 92.

[16] Ibidem, p. 157.

Resenha – “Sobre la unidad de la Iglesia” (Cipriano de Cartago)

CIPRIANO, de Cartago, Santo. Sobre la unidad de la Iglesia Catolica. In: ______. Obras de San Cipriano: tratados, cartas. Madrid: BAC, 1964. p. 142-168.

1. Sobre o autor 

Nascido em 210, de uma família rica, Cipriano teve uma excelente educação, e por algum tempo foi advogado. Por causa de sua conversão, em 245, vendeu boa parte de suas propriedade para fazer obras de caridade entre os pobres.

Foi ordenado sacerdote em 247, e dois anos mais tarde se tornou bispo de Cartago (249).

Em 30 de agosto de 257, Cipriano foi convocado a comparecer diante do proconsul romano de Cartago, que o notificou do edito imperial segundo o qual, todos os bispos cristãos deveriam participar das festas pagãs. Logicamente Cipriano não se rende ao edito e é exilado durante um ano, no fim desse ano, um novo edito, e mais pesado, exige: 1) a execução imediata do bispos, pastores e diaconos, 2) a degradação dos senadores e demais patrícios que professam a fé, 3) exílio, prisão e confisco de todos os bens e 4) se houver persistência, morte imediata.

Cipriano volta a Cartago em 258. No dia 13 de setembro foi arrastado e decapitado, sob os tempos de perseguição dos imperadores romanos Valeriano e Galieno[1].

2. Amostra da obra

De acordo com vários comentaristas, esta obra é a mais importante de Cipriano e a mais influente da história da Igreja dos primeiros séculos.

Neste escrito estão resumidas as idéias de um pastor zeloso e defensor da unidade da Igreja. Para ele, a Igreja é única e com a coesão de um organismo moral indestrutível. Cipriano afirma que a unidade da Igreja está em seus bispos e na comunhão mútua de todos os crentes. Os bispos são sucessores dos apóstolos, e, portanto, sua autoridade é a mesma que Jesus deu aos apóstolos. Chegando a tal ponto, que onde não está o bispo nãoIgreja, ou seja, os crentes que por qualquer razão se separem dos bispos, se separam da Igreja e, portanto de Jesus Cristo (#6).

Divisão e resumo do texto

O tratado tem 26 capítulos e resume o pensamento do autor sobre diversos assuntos, porem, todos relacionados ao tema geral que é a unidade da Igreja. Divide-se assim:

#1: interpreta Mt 5.13 (“Vós sois o sal da terra”) e alerta sobre a importância da vigilância contra o “inimigo”. Fala da atuação do Diabo no Éden, no deserto com Jesus e da importância de saber reconhecer suas artimanhas.

#2: os crentes devem seguir o exemplo de Jesus, não o de Adão. Como? Ouvindo e seguindo suas palavras (Mt 7.24s). Só se pode dizer que crê em Cristo aquele que guarda os seus mandamentos.

#3: os hereges distorcem o Evangelho gerando morte e divisão.

#4: defende a edificação da Igreja em Pedro, como fonte da sua unidade. Lutar pela unidade da Igreja é lutar pela verdade da fé. Não fazer isso é estar fora da Igreja.

#5: o deve maior da busca/manutenção da unidade é dos bispos, a fim de provar que o próprio episcopado é único e indivisível. A unidade dos bispos indica a unidade da Igreja (usa como exemplos: sol – raio de sol; árvore – tronco e galhos; rio – vários braços).

#6: afirma a pureza da Igreja e condena sua corrupção. aquele que está fora da comunhão com/na Igreja perde as promessas e é considerado um inimigo (Mt 12.30), dividindo a Igreja de Cristo.

#7: a unidade é garantida pela tradição do Evangelho. Utiliza a imagem da túnica dos profetas como imagem da unidade.

#8: condena aqueles que acham que podem continuar contribuindo para a divisão da Igreja. Utiliza várias imagens vétero-testamentárias para afirmar a unidade.

#9: anuncia a função do Espírito Santo como vínculo da unidade da Igreja e dos seus membros. Por outro lado, os hereges são os que causam a divisão. Nestes, não há presença do Espírito.

#10: as heresias são fruto dos corações rebeldes e dos que semeiam divisões. Afirma a permissão de Deus para a presença das heresias (1Co 11.19) para o reconhecimento/distinção dos santos e dos infiéis, que, no caso, auto-intitulam-se bispos.

#11: cita os textos de Jer 23.16-17, 21-22; 2.13 para pronunciar o juízo de Deus sobre os hereges.

#12: acusa os hereges de fazerem uma interpretação incorreta das Escrituras, fora do contexto e segundo seus próprios interesses. Como estão fora da Igreja, suas “teologias” são inválidas e perniciosas.

#13: explica parte da oração do “Pai nosso”: o perdão para com o próximo é sinal da luta pela unidade da Igreja. Os que não fazem isso, colaboram para a divisão.

#14: caracteriza o “mártir”: só pode sê-lo quem está “dentro de la Iglesia” e luta para manter o amor e a caridade. “Quien no tiene caridad, no posee a Dios” (p. 157) – 1Jo 4.16. Como o Diabo, mentem aqueles que dizem ser cristãos, mas não amam fraternalmente e causam divisão.

#15: os sinais e prodígios acompanham os que são santos e justos, não os pecadores e injustos. “Y ¿qué unidad guarda, qué amor piensa guardar quien, arrebatado por la locura de la discordia , divide a la Iglesia, destruye la fe, turbe la paz, disipa la caridad, profana el misterio?”

#16: a presença das divisões e heresias na Igreja são cumprimento das Escrituras: “Nos últimos dias…” (1Tm 3.1-9).

#17: porque as heresias já estavam prometidas pelas Escrituras, elas devem ser vistas como prova e para o fortalecimento dos santos e daqueles que têm a verdadeira fe. O comportamento destes deve ser afastar-se dos impuros, que se levantam contra os bispos e os irmãos: a Igreja.

#18: exemplo de insubordinação e pecado: Core, Data e Abirã, que se levantaram contra Moisés, para falar do juízo de Deus sobre os que têm esse comportamento.

#19: compara o comportamento dos atuais cismáticos àqueles do AT.

#20: afirma que até mesmo alguns dos confessores caíram em algum erro.

#21: trata da importância do exemplo do confessor para o bem dos crentes e de seu caráter como representante de Deus, de Cristo. Aquele que rompeu com a comunhão da Igreja não pode orgulhar-se de sua confissão.

#22: Judas é um exemplo para a argumentação anterior. Porém, os que permanecem fiéis, sejam muitos ou poucos, são prova da fé e da unidade da Igreja.

#23: roga para que a Igreja receba os arrependidos. Fala, mais uma vez, que a Igreja é única, que Deus é único, que Cristo é único, que a fé é única e que o povo de Deus é único; que a unidade é indissolúvel e que aquele que rompe com a comunhão da Igreja “pierde la esencia de la vida”.

#24: o sentimento de todo crente deve ser manter o vínculo da paz, do amor e da unidade com todos os crentes, pela unidade da Igreja.

#25: a Igreja dos Apóstolos serve de exemplo e parâmetro para o seu tempo. Sua unidade, e a unidade entre todos os crentes (At 4.32), possibilitava o sucesso de suas orações. Este modelo deve ser seguido, também, nos seus dias.

#26: Cipriano destaca o distanciamento que sua Igreja mantém da Igreja dos Apóstolos: não distribuem os bens, nem entregam os dízimos, negam a vontade do Senhor de vender e, ao contrário, compram e amontoam. Isso revela o distanciamento da fé verdadeira. Convoca/apela a todos para que se coloquem no caminho dessa fé verdadeira, guardando os mandamentos do Senhor, para que, quando Ele voltar, todos sejam recebidos por Ele e recebam seu prêmio final.

 3. Conclusão

  • Como homem do seu tempo e preocupado com as questões de seu tempo, pode-se concluir que Ambrósio fez um excelente trabalho, na instrução dos crentes e desenvolvimento da Igreja dos primeiros séculos.
  • Sua interpretação da Bíblia segue os métodos literais de interpretação patrísticos e revela sua preocupação de que suas atividades pastorais sejam fundamentadas nas Escrituras.
  • O texto tem extrema relevância para os dias de hoje, naquilo que se refere ao comportamento dos crentes, à institucionalização da Igreja e à atitude dos líderes.

 


[1] Embora não seja abordado neste tratado, Cipriano afirma a unidade do episcopado não hierárquica, no sentido de que os bispos sejam uno porque todos devem obediência a um dentre eles – a um “bispo dos bispos”. Ao contrário, o episcopado é uno porque está unido em Jesus Cristo a tal ponto que em cada bispo está representada a totalidade do episcopado. Esta visão do episcopado causou atritos entre Cipriano e Roma, cujo bispo Cipriano acusava precisamente de pretender ser “um bispo dos bispos”. Estevão de Roma sustentava que o bispo de Roma deveria ter primazia sobre todos os demais, por ser sucessor direto de Pedro. Cipriano contestou, mas Estevão teve sucesso. Outro problema com a Igreja de Roma diz respeito ao “rebatismo” ou não daqueles que foram considerados hereges ao sucumbirem diante das perseguições contra a Igreja. Roma não via problema em considerar válido o primeiro (e único) batismo. Porém, em Antioquia e na província da África o costume era não aceitar o batismo, e por conseguinterebatizar” os “arrependidos”.

Resenha – “Pastorais” (Joao Calvino)

CALVINO, João. Pastorais. São Paulo: Edições Parácletos, 1998. Tradução: Valter Graciano Martins.

1. Sobre o autor 

João Calvino nasceu em Noyon, França, em 1509, quando Martinho Lutero já estava dando conferencias na Universidade de Erfurt e Ulrich Zuínglio estava ocupado com suas tarefas pastorais em Glarus. No trono papal estava Júlio II, conhecido como o “papa-guerreiro”, devido a seu hábito de liderar seus próprios exércitos nas batalhas e pela instituição das indulgências plenárias para a construção da Catedral de São Pedro. Portanto, Calvino tinha cerca de 17-18 anos quando a Reforma de Martinho Lutero explodiu[1].

Filho de Gérard Cauvin, que na época do seu nascimento era o assistente administrativo do bispo de Noyon, e de Jeanne Cauvin, falecida quando ele tinha 5-6 anos, Calvino foi educado nas melhores escolas de Paris e aos 12 anos de idade passou a receber benefícios eclesiásticos (“Isto é, posições cujos rendimentos recebia sem estar presente”[2]) do bispo de Noyon, entrando nas ordens menores, cumprindo tarefas eclesiásticas e estudando.

 1.1. Primeira fase

Em 1523 (14 anos), chega à França para estudar Gramática e Sintaxe Latina em Collège de la Marche. Seguiu para Collège de Montaigu, onde aprofundou seus estudos da lógica e da teologia escolástica. Contudo, depois, adquiriu aversão aos métodos escolásticos chegando mesmo a compará-la a “um tipo de magia esotérica[3].

Em 1528 (19 anos), largou os estudos teológicos e foi a Orléans, depois para Bourges, para dedicar-se ao estudo do Direito. Abandona a carreira do Direito em 1531 quando seu pai morre e, em 1532, escreve seu primeiro livro De clementia, um comentário sobre a obra do filósofo Sêneca, seguindo o espírito humanista de Erasmo.

 1.2. Segunda fase

A transição de Calvino de humanista para protestante reformador foi marcada pelo que ele denominou conversão súbita”, por volta de 1532-1533 (24 anos). Continuou a viver na França, onde a reforma moderada defendida por Lefèvre d’Etaples estava em andamento.

Em 1534, foi obrigado a fugir da França, por causa de alguns textos (pasquins) luteranos que foram espalhados acusando as lideranças e autoridades eclesiais. Fugido, então, refugiou-se na cidade de Basiléia, onde deu início ao seu projeto de criação de um catecismo para os protestantes de língua francesa, as Institutas da religião cristã (março de 1536).

Por motivos diversos, principalmente os bélicos da época, Calvino foi para Genebra, onde permaneceu de 1540 até a sua morte em 1564. Foi ali que Calvino se destacou como o principal teólogo protestante da segunda geração da Reforma.

Timothy George destaca cinco dimensões da vida de João Calvino: 1) era um pastor; 2) era um professor; 3) era um escritor; 4) era um estadista da Igreja; 5) tornou-se um marido (com Idelette casou-se em 1540 e ficou viúvo em 1549)[4].

Os esforços de Calvino se moveram em duas direções. Por um lado, fez o quanto pode para levar a cidade de Genebra a ajustar-se no que ele considerava ser as melhores práticas cristãs, como o culto, a moral e a organização da vida eclesiástica. Neste aspecto, sempre se viu em tensão com as autoridades civis. Por outro lado, continuou seus trabalhos teológicos, escrevendo comentários sobre quase todos os livros da Bíblia (exceto 2 e 3 João e Apocalipse, Pentateuco, Josué, Salmos e Isaías), vários tratados sobre a teologia e vários sobre o governo da Igreja.

2. Amostra da obra

2.1. Calvino escreve essa série de comentários sobre as Pastorais, incluindo a Carta a Filemom, em homenagem ao Conde de Hertford, Príncipe Eduardo, protetor da Inglaterra e Irlanda, em julho de 1556. Destaca a fé e o testemunho cristãos do Príncipe em todos os seus atos como regente, de modo que todo o povo é beneficiado pelas suas ações (“Banindo os ídolos e assentando ali [na Inglaterra] o genuíno culto que Deus prescreveu, […] suprimido e oprimido pelas sacrílegas tiranias do anticristo romano.”[5]).

2.2. A estrutura dos comentários sobre cada livro, segue a seguinte forma: 1) Breve introdução e síntese dos capítulos e 2) análise expositiva de cada um dos versículos.

2.3. Calvino remete, freqüentemente, ao pensamento e à interpretação dos Pais da Igreja.

2.4. Se preocupa em interpretar o texto original grego, buscando a melhor explicação dos termos que sugerem dificuldades de interpretação e formulação teológica.

3. Conclusão

Como homem do seu tempo e preocupado com as questões de seu tempo, pode-se concluir que João Calvino fez um excelente trabalho, na instrução dos crentes e desenvolvimento da Igreja, por meio de sua atuação pastoral e teológica.

Interpretando o texto das Pastorais, mais Filemom, Calvino procura solucionar os problemas do seu tempo, tais como: a) desvios teológicos e doutrinários, principalmente dos Romanos, b) autoritarismo das lideranças, c) santificação dos crentes, d) mudança e transformação social.


[1] GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1993. p. 165.

[2] GONZÁLEZ, J. L.  Dicionário ilustrado dos intérpretes da : vinte séculos de pensamento cristão. São Paulo: Academia Cristã, 2005. p. 145.

[3] CALVINO, J. Tracts e Treatises, I. p. 40 apud GEORGE, Timothy. Op. cit.,  p. 170.

[4] Ibidem, p. 180-183.

[5] Cf. p. 14.